Ondas gravitacionais — As perturbações do espaço-tempo

Ilustração de duas estrelas de nêutrons se fundindo ao fundo e o título "Ondas gravitacionais - As perturbações do espaço-tempo" em primeiro plano.

Podemos sondar a insatisfação humana por meio de diversas explicações [1], mas a consciência quanto aos limites do conhecimento científico é mais que o suficiente como justificativa para o permanente impulso ao desconhecido.

Um evento nunca antes visto ultrapassa o frio na barriga, pois nos dá acesso a novas possibilidades. Nesse sentido, hipóteses propostas no final do século XIX [2] foram postas à prova com os dados originados pelas primeiras detecções de ondas gravitacionais [3].

Em 1893, Oliver Heaviside trouxe à nossa imaginação a concepção do que viria a ser chamado de onda gravitacional.

Posteriormente, em 1905, Henri Poincaré deu continuidade a esse assunto, ampliando a visão que o seu antecessor nos forneceu.

Até que, em 1916, a ideia se consagrou como extensão da Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein, publicada em 1915.

As bases teóricas

Como é possível perceber, o conceito de onda gravitacional não é assunto novo para a ciência. Então, vamos contextualizá-lo um pouco melhor para que você possa compreender o que motivou este post.

Teorias científicas, no processo de construção de conhecimento, se tornam mais fortes quando os cientistas começam a verificar a validade delas por meio dos resultados de suas pesquisas [4].

Einstein revolucionou a forma como passamos a entender a natureza do universo. Ele explicou de forma mais simples não só aquilo que já se conhecia, como também outros fenômenos, que ainda não se compreendia na época [5]. Diversas previsões emergiram de suas equações, e uma delas se referia às ondas gravitacionais.

O cientista alemão afirmava que o espaço físico (formado por três dimensões) e o tempo (que vem a ser a quarta dimensão) não são propriedades separadas. Segundo ele, essas características físicas são dependentes entre si e compõem uma única entidade — o espaço-tempo [6] .

Com isso em mente, Einstein chegou a uma compreensão diferente da lei da gravitação universal [7]. Enquanto Newton enxergava a gravidade como uma força de atração entre os corpos, Einstein propôs que ela ocorre devido a distorções do espaço-tempo.

Da relatividade às ondas gravitacionais

Com as ideias de Einstein, pôde-se concluir que quanto mais massivo um objeto for, mais o tecido do espaço-tempo se deformará diante dele, curvando também a trajetória da luz. Os buracos negros [8], por exemplo, podem distorcer o espaço-tempo de maneira tão intensa que a luz nem sequer consegue escapar deles.

Mas já que esses corpos exercem uma influência tão forte no espaço-tempo, será que conseguimos detectar eventuais perturbações decorrentes de seus movimentos?

Sim, isso é possível! Em uma comparação simples, podemos pensar nesses distúrbios como a reação de propagação em forma de onda que uma pedra arremessada no meio de um lago causa quando toca a sua superfície.

Na ocorrência de colisões entre objetos muito massivos, a perturbação — na forma de ondas gravitacionais — ecoaria a partir da fonte para todo o exterior e poderia ser detectada da Terra!

As complicações na detecção

Um dos maiores percalços para a constatação de ondas gravitacionais, assim como o desafio que Einstein enfrentou quanto ao teste de suas hipóteses da curvatura do espaço-tempo, é a tecnologia necessária para a sua detecção.

Quanto à comprovação da curvatura do espaço-tempo, Einstein talvez não imaginasse que a fosse presenciar ainda em vida [9] — felizmente, ele pôde colaborar com esse feito.

Já quanto às ondas gravitacionais, como veremos mais adiante, o processo foi um pouco mais demorado. A tecnologia capaz de detectar esse fenômeno só foi concebida 54 anos após a publicação de Einstein, 15 anos após a sua morte.

A tecnologia capaz de detectar as ondas gravitacionais

A primeira detecção de ondas gravitacionais de forma direta aconteceu no ano de 2015. Contudo, já havia evidências indiretas da existência delas desde a década de 1970, de acordo com as descobertas de Russell Hulse e Joseph Taylor, o que concedeu a eles o prêmio Nobel de física, em 1993.

Aliás, um ano antes, em 1992, foi iniciado o projeto LIGO [10] (do inglês Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory), que mais tarde viria a fazer a primeira detecção de ondas gravitacionais de forma direta.

O Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser, começou a operar em 2002 e, em 14 de setembro de 2015, fez a primeira detecção de ondas gravitacionais, provenientes da colisão de dois buracos negros!

Desde então, muitos aperfeiçoamentos tecnológicos foram feitos para deixar os interferômetros mais sensíveis, possibilitando a detecção de outros eventos.

Entre eles, podemos citar as colisões de estrelas de nêutrons, também chamadas de quilonovas. Apesar de esses choques serem mais corriqueiros que entre objetos de maior porte, são fenômenos que causam uma perturbação mais difícil de se detectar — não é à toa que a primeira detecção se deu devido a uma colisão de buracos negros.

A detecção de ondas gravitacionais com contrapartida óptica

Em 17 de agosto de 2017, então, tivemos o registro da primeira detecção de ondas gravitacionais resultantes de uma colisão entre estrelas de nêutrons [11]!

Refletindo por um momento sobre a importância desse acontecimento, vemos que aquilo que o torna tão empolgante é que, mais uma vez, as previsões da relatividade geral se confirmaram.

Mas não é só isso. Ainda que o estudo da colisão de buracos negros por meio dos dados das ondas gravitacionais seja um grande avanço, não é possível obter desses eventos nenhum dado proveniente do espectro eletromagnético. Já a colisão de estrelas de nêutrons oferece algo a mais.

No decorrer desses fenômenos, a emissão de ondas eletromagnéticas forneceriam dados que certos telescópios já seriam capazes de detectar. E foi justamente o que aconteceu: poucos segundos depois que o LIGO, e outro interferômetro, o VIRGO, confirmaram essa detecção, os telescópios espaciais FERMI e INTEGRAL conseguiram constatar uma contrapartida óptica vinda da mesma área do céu [12].

Os dados obtidos pela soma de esforços entre os interferómetros e todos os telescópios envolvidos nessa detecção é algo totalmente novo para a ciência. E isso torna tudo ainda mais impressionante.

Novos dados para a construção do conhecimento científico

Agora, podemos estudar uma “nova” característica do universo, como nunca antes foi possível! Uma melhor compreensão da natureza física está ao nosso alcance, e isso é realmente incrível.

Pudemos confirmar, por exemplo, a origem de elementos químicos pesados, como o ouro, além de aperfeiçoar o cálculo da taxa de expansão do universo. O que mais nos espera?

Aprendemos a enxergar o mundo de uma forma diferente com a ciência, e desde o seu princípio, iniciamos um contínuo processo de aprendizado com fim indeterminado.

Nas palavras de Isaac Newton:

O que sabemos é uma gota; o que ignoramos é um oceano.


Referências:

[1] “[…] o sofrimento [causado pela insatisfação] não é causado por má sorte, por injustiças sociais ou por caprichos divinos. Na verdade, o sofrimento é causado pelos padrões de comportamento da nossa própria mente. O que Gautama compreendeu é que não importa o que a mente experimente, ela geralmente reage com desejo, e o desejo sempre envolve insatisfação. Quando a mente experimenta algo desagradável, deseja se livrar da irritação. Quando experimenta algo agradável, deseja que o prazer permaneça e se intensifique. Desse modo, a mente está sempre insatisfeita e inquieta. Isso fica muito claro quando experimentamos coisas desagradáveis, como dor. Enquanto a dor persiste, estamos insatisfeitos e fazemos tudo que está ao nosso alcance para evitá-la. Mas mesmo quando experimentamos coisas agradáveis nunca estamos contentes. Tememos que o prazer desapareça, ou esperamos que se intensifique.”NOAH HARARI, YUVAL; Sapiens – Uma Breve História da Humanidade, trecho retirado das páginas 253 e 254;

[2] Observation of Gravitational Waves from a Binary Black Hole Merger (Physical Review Letters)
Artigo sobre a primeira detecção de ondas gravitacionais;

[3] Ondas Gravitacionais (Wikipédia);

[4] Método Científico em 6 passos  (Blog da Ciência);

[5] A Navalha de Ockham (SciFilo);

[6] Teoria da relatividade (Wikipédia);

[7] Lei da gravitação universal (Wikipédia);

[8] Buraco Negro (Wikipédia);

[9] O eclipse que confirmou Einstein (Pesquisa Fapesp);

[11] Observation of Gravitational Waves from a Binary Neutron Star Inspiral (Physical Review Letters)
Artigo sobre a primeira detecção de ondas gravitacionais proveniente de estrelas de nêutrons;

[12] Uma nova era para a astrofísica (Pesquisa Fapesp).

Outras fontes:

Imagem de capa: adaptada de NSF/LIGO/Sonoma State University/A. Simonnet;

A Primeira Detecção da Luz de Uma Fonte De Uma Onda Gravitacional (Space Today)
Vídeo do canal Space Today, produzido pelo Sergio Sacani;

LIGO and Virgo make first detection of gravitational waves produced by colliding neutron stars (LIGO).

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2 Resultados

  1. 28 de agosto de 2018

    […] [1] Ondas gravitacionais — As perturbações do espaço-tempo (Blog da Ciência) [2] IceCube neutrinos point to long-sought cosmic ray accelerator (IceCube) [3] […]

  2. 3 de abril de 2020

    […] Ondas gravitacionais — As perturbações do espaço-tempo […]

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